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Maria Helena MANZAN: o olhar velado da arte

 

A procura da felicidade não se aprende estudando história, não se encontra, nem se espera. Essa procura, não a felicidade, precisa de exercício, força e desejo para existir, precisa ser sentida antes da chegada. Um “pre-cognitivismo mágico, que existe em si por destino, por oração, por amor às coisas que vivem só de alma e depois no gesto que as fará aparecer mostrando-as como cenas e doação à humanidade.

É a famosa “Áurea” de Walter Benjamin, mas para uma artista ítalo-brasileira o sentido do mistério, a força interior da emotividade, é algo natural, sangüíneo, biológico, como uma nostalgia e un tango.  É como tocar ou acariciar a luz,  uma canção  silenciosa que aparece atrás de uma paisagem velada, vista de uma janela, ou uma combinação cromática que estimula a sensibilidade da íris.

Move-se ocultamente, quase em segundo plano entre as partículas de luz, mistura o calor com as luzes, tranferindo-os através da dança entre o dentro e o fora: respira o planeta. É exatamente isso que a arte de  Helena MANZAN remete à percepção de quem a encontra. “Uma necessidade de expressar o sentido invisível das coisas”, uma “ferida da alma”,  um sentido de  “desmaterialização” da matéria. Um ato de fermentação que resgata a imagem perdida através do processo artístico, que coloca o pensamento observador na sua função mais nobre, como um corte, uma ferida, já enunciada pela beleza narrativa de Roland Barthes.

“Pensei em evidenciar um processo de contextualização e descontextualização das imagens. Meu processo criativo é feito de inquietudes, noites de insônia, e de constantes pesquisas, onde valorizo a matéria, as cores, a emoção imperceptível de um olhar…de uma vida intensa, de toda forma de vida”

…Eis então o porquê de mostrar aquilo que parece irrelavante no cotidiano, o sentido do sonho, do empírico que modela a realidade, as escolhas de vida, os lugares, os olhares, a memória, que se acumulam atrás das mudanças do pensar e do fazer-se pensar a partir dos acontecimentos. É com esta mania saudável e anacorética que a Manzan faz contratos com o mundo, negocia com a arte. A sua própria maneira de escolher e fazer-se escolher pelos lugares, como Castel San Vincenzo, é uma forma de arte.

Recorda-me, não de modo evidente, o materialismo poético, as escolhas, talvez o livre arbítrio manifestado na sua mais alta consistência, o olhar procurado por Charles Moulin, que desses  lugares, do mesmo genius loci, apaixou-se. É o amor o sentimento que a artista suscita em sua criatividade transformadora. Ato amoroso como cromatismos reveladores da sensação de  suspensão bombeada pelos pulmões de quem vive o lugar, a luz, o véu, ao ar, a escolha, colocados depois em forma de respiração que sopra sobre as telas, sobre as pedras, sobre os objetos repropostos como arte. Para nós, para as cenas do mundo que respira o silêncio e o mistério que a arte de Maria Helena Manzan traduz em um diálogo natural. Uma disposição gentil entre seres que vivem de sensibilidade e a partícula sagrada e silenciosa da voz da matéria que decora o mundo.

“…Eu gosto de observar, através da janela do meu ateliê, a mudança das estações em Castel San Vincenzo, um lugar mágico para mim, onde observo, reflito, interrogo… depois transformo em arte”.

ANTONIO PICARIELLO